Quem conhece o Joaquim Raposo Borges? – Parte I

Quarta, 11 Março 2009


Os comentários habituais e inócuos sobre o desenvolvimento do sector de saltos são um pouco incompletos já que esquecem o homem que, na década de 70, elevou o nível do Salto Com Vara em Portugal e que, ainda hoje, ensina a arte de bem saltar com vara a dezenas de jovens. Trata-se de Joaquim Raposo Borges, múltiplas vezes Campeão de Portugal em Salto Com Vara e o treinador mais bem sucedido nessa disciplina mas que altas personagens não reconhecem e que muitos nem sequer conhecem…

Ousadia – Certo dia nos anos 50 do século passado, o pequeno Joaquim apercebeu-se que poderia vir a ser um atleta a sério. Ninguém conseguia bater aquele jovem franzino nas provas de saltos daquelas competições entre ruas rivais do Bairro de Alvalade. Com tamanho sucesso e prestígio pelas ruas de Alvalade, decidiu ir aos treinos do Sporting e claro que foi aceite, mesmo não tendo idade suficiente.

Foi crescendo, não só física como mentalmente, repleto de ambições. A sua cabeça via “5” por todo o lado e esse número foi sempre a sua meta. Numa altura em que o record de Portugal ainda rondava os 4 metros, Raposo Borges já queria os 5m e o ponto de partida de muitos sucessos desportivos começam frequentemente com a definição de objectivos. Objectivos que mesmo os nossos pares julgam impossíveis ou improváveis. Mas nós precisamos de pessoas na nossa vida que consigam sonhar com coisas que ainda não foram feitas e que as realizem. Só assim podemos acreditar que neste mundo há milhões de oportunidades e que as “possibilidades” ultrapassam em número as “impossibilidades”.



E o Raposo Borges ousou sonhar alto quando todos, inclusive ele, se encontravam muito, muito baixo e a sua dedicação cedo começou a dar frutos: aos 19 anos, bateu o seu primeiro record nacional: 4,21m mas ainda hoje faz questão de mostrar as fotos de como saltava naquela altura e… era algo verdadeiramente assombroso: varas que não dobravam, mãos juntas, meia inversão, queda na areia, etc… Fotos que todos deveriam ver porque, invariavelmente, vê-se jovens atletas julgarem-se os maiores quando saltam fasquias que há 40 anos atrás eram o record nacional…

Polónia - É irónico este comportamento dos nossas jovens “vedetas” por estarmos no século XXI e, por lá fora, atletas da sua idade fazerem mais de 5m30, como tive a oportunidade de assistir nos Campeonatos de Pista Coberta da Polónia. O campeão polaco tem 20 anos e saltou 5,66m; o vice-campeão tem 21 anos e saltou 5,50m; o 3º tem 20 anos e saltou 5,30m (mas já saltou 5,61m esta época). Não é por acaso que falo deste país já que foi aqui que o Prof. Raposo Borges aprendeu com os melhores a arte do salto com vara durante um período da sua carreira.

Foi por tentar viver de acordo com as suas ambições e palavras que Raposo Borges decidiu partir para fora, para aprender mais porque estava convicto que dificilmente elevaria o seu nível se ficasse sempre em Portugal. A culpa não era dos treinadores portugueses mas sim na dificuldade que esses tinham em aceder à informação doutros países numa realidade em que Portugal se encontrava “orgulhosamente só”, citando palavras do Dr. António Salazar, e nas condições precárias de treino. A dificultar ainda mais, estava o facto de Raposo Borges partilhar, desde cedo, dois papéis: o de atleta e de treinador (de ele próprio). Encontrou na coragem e audácia a maneira de ultrapassar esses obstáculos e, numa das famosas deduções de Sócrates, tiramos a conclusão de que quem possui o conhecimento, é aquele que é destemido e não há nenhum adjectivo melhor do que esse para caracterizar quem sai do conforto do lar e vai para outros países, (in)formar-se.

Rivalidade – A juntar aos factos descritos acima, aconteceu que Raposo Borges foi ultrapassado, em 1972 como recordista de Portugal, pelo seu maior adversário da sua carreira: Joaquim Serra. Invejo quem teve oportunidade de assistir aos duelos acesos entre estes dois “varistas”… Pela rivalidade única que existia entre eles e que fascinava os espectadores dada a intensidade e singularidade com que viviam a competição entre ambos. É que mais tarde, a rivalidade que existiu entre o João André e o Nuno Fernandes não se comparava minimamente já que havia um excelente ambiente entre eles e isso nunca aconteceu entre os seus antecessores, onde muitas vezes, saía faísca.

Foi então, na condição de segundo melhor português no Salto com Vara, que Raposo Borges partiu para a Polónia. Esteve em Varsóvia e em Bydgoszcz, a treinar em centros de estágio que, logo em 1976, tinham uma qualidade que só, desde há pouco tempo, encontramos em Portugal mas que maioritariamente se destinam ao futebol. Quem teve a oportunidade de seguir o Campeonato do Mundo de Juniores de 2008 que decorreu em Bydgoszcz pôde aperceber-se da dimensão do Complexo Desportivo onde está inserido o estádio Zawisza (remodelado para tal ocasião), palco onde Raposo Borges descobriu aprendeu mais sobre a sua modalidade.

5 metros e o Menino Jesus – E quanto mais aprendia sobre Salto com Vara, mais crescia a sua paixão. E, como em todas as paixões, quando se dá tudo o que se tem, não há maneira de não ser recompensado. E a sua recompensa chegou ainda em solo polaco, tornando-se recordista nacional novamente (após 4 anos de “jejum”), elevando-o para 4,95m em Bydgoszcz no dia 2 de Maio de 1976. O seu sonho de adolescente já não estava assim tão longe e os míseros 5 cm que o separavam dessa marca não se tornaram em nenhuma barreira psicológica dado que 13 dias mais tarde, já em terra nacional, atingia a barreira dos 5m. Foi o primeiro português acima de 5 metros. E nada lhe traz maior brilho no olhar como este facto e quem tem a oportunidade de conviver com o Raposo Borges sabe-o bem. E tal satisfação tem várias razões: por ter sido numa época em que as varas pouco dobravam e onde o “menino Jesus ainda era vivo”, como o próprio refere várias vezes aos seus atletas, actualmente. Aprofundarei este interessante tema na II parte.

Esse recorde a 5 metros foi ultrapassado pelos 5,02m de Joaquim Serra um ano mais tarde mas Raposo Borges ainda não se tinha dado por vencido. Soube ter paciência, uma das características que pessoalmente mais lhe reconheço enquanto pessoa, e dois anos mais tarde, a 14 de Julho de 1979, passava 5,05m e 5,10m. Este foi o seu último record nacional e resistiu durante 8 anos, tendo sido destronado por um atleta que curiosamente treinava: o Pedro Palma.

Ecletismo – E para finalizar esta I parte, é necessário não ter uma visão redutora da carreira de Raposo Borges. Porque, embora vivendo para o Salto Com Vara, foi um bom atleta no Lançamento do Dardo, tendo sido o Campeão Nacional dessa disciplina em 1970 com 59,54m e tendo chegado aos 64,54m (com o antigo dardo). Também participou em “Decatlos”, sendo igualmente Campeão Nacional dessa dura combinação de eventos em 1972 com 6151 pontos.

Para Raposo Borges, enquanto atleta, esses títulos foram só um extra numa carreira recheada por 7 títulos nacionais de Salto Com Vara (1969, 72, 74, 75, 76, 77, 79), feito igualado pelo Nuno Fernandes e pelo João André, e por 8 records nacionais na referida disciplina.

Com a “reforma” de Raposo Borges no início da década de 80 finaliza-se a Parte I. Não perca a continuação.


| Mais
Comentarios (2)add feed
RECONHECIMENTO PÚBLICO : Elisabete Milho
Para quem gosta do atletismo e em particular da disciplina do Salto à Vara, e que conheça o Professor Raposo Borges, sabe que ele é uma pessoa extraordinária, que se dedica a ensinar/partilhar com os seus atletas os seus conhecimentos. É uma pessoas merecedora pela dedicação que tem demonstrado ao longo dos anos de ter um lugar no pódio, juntamente com todos aqueles que por mérito próprio o conseguiram pisar ao longo das suas carreiras, nas mais diversas modalidades. Bem hajas Rafael por te lembrares de escrever sobre este senhor fenómeno que conseguiu ultrapassar a barreira dos 5m em anos de asfixia social. O meu obrigada ao Professor por levar bem alto a sua ambição.
Março 23, 2009
Foi o meu "mestre" : João André
Em poucas palavras direi que além de excelente treinador é um homem brilhante.

Tudo o que fui como atleta a ele lhe devo: era-mos unha com carne!

Só tenho pena que ainda hoje hajam pessoas que duvidam da sua capacidade criando entraves sucessivos ao seu progresso como treinador.

Actualmente, continua a ser o treinador que tem os melhores atletas nesta disciplina

Muito obrigado amigo Raposo

João André
Agosto 20, 2009
Escreva seu Comentario
quote
bold
italicize
underline
strike
url
image
quote
quote
Smiley
Smiley
Smiley
Smiley
Smiley
Smiley
Smiley
Smiley
Smiley
Smiley
Smiley
Smiley


Escreva os caracteres mostrados


 
< anterior   Seguinte >









facebook atleta-digital rss atleta-digital
 
SRV2